Em Novembro de 2005 a francesa Isabelle Dinoire tornava-se a primeira pessoa a receber um transplante da face, depois de mordida por um cão. Três meses mais tarde o mundo via-a - o rosto ainda inchado, as cicatrizes evidentes, o lábio inferior descaído. Agora, Noelle Chatelet, ex-professora de Comunicação na Sorbonne, irmã do ex-primeiro-ministro DanielJospin (PS) e autora de obras sobre o corpo, lança um livro sobre essa aventura, Le Baiser d'Isabelle (O beijo de Isabel).
Até que ponto lsabelle Dinoire aceita hoje o novo rosto?
Aceita-o perfeitamente. Viveu seis meses sem rosto, sem poder falar ou comer, com um buraco em vez de boca. Hoje há uma parte da cara que lhe é estranha, mas que integrou no seu seu imaginário,no seu psiquismo. Tem um reconhecimento infinito pela dadora e pela família . Sente uma imensa ternura por essa parte do rosto que não lhe pertence. É muito lúcida sobre essa ideia de partilha Sabe que é dupla, mas vive isso serenamente.
E como está ela?
Perfeitamente. Houve pequenas rejeições do transplante, mas sempre controladas.
Toma uma medicação muito forte, o que a fatiga, mas o rosto está magnífico, apesar de as cicatrizes não terem desaparecido completamente.
A dadora tinha-se suicidado. Que relação desenvolveu lsabelle com ela, uma vez que também tomara barbitúricos?
A certa altura ela nem queria que lhe tocassem na cara, para não estragar o transplante, e está sempre a ver se tem vermelhidões. Faz parte do agradecimento. Acha que tem de viver pelas duas. Deve-lhe isso, a assim como à equipa médica, que se tornou a sua segunda família (e eu entrevistei os 45 envolvidos, além de lsabelle, durante quatro meses). Ela vê a dadora um pouco como sua irmã. Desenvolveu laços muito fortes com ela, porque acha que viveram coisas muito semelhantes.
Que laços tem com a família da dadora?
Nenhuns. A lei francesa proíbe os transplantados de entrarem em contacto com a família dos dadores, e eles também não a procuraram.
Ela diz que pode falar, sorrir, comer. Só não consegue dar um beijo…
Osa médicos tinham avisado que não sabiam se ela conseguiria articular de novo o músculo orbicular, o do contorno da boca, que permite aos recém nascidos mamar. Ainda não readquiriu totalmente, mas faz muitos exercícios. Daí que a equipa médica espere esse beijo com muita emoção. Só então se apropriará totalmente do rosto do outro. Será a apoteose do transplante. É uma bela história porque, para ser bem sucedida, terá de acabar como um conto de fadas.
Você já conheceu outros tranbplantados, como um que recebeu as mãos. Que semelhanças há com este caso?
Isabelle recusa a comparação. Diz que quem não gosta das mãos pode escondê-las no bolso, mas a cara não. Achei, no entanto, algumas semelhanças entre todos, como o o reconhecimento pelo dador e pela família. Mas como os órgãos visíveis desenvolve-se uma espécie de fantasma, de medos, de estranheza e há o olhar dos outros. É curioso que os doentes vivem melhor do que os outros, que pensam sempre «bem, as mãos não são dele».
Como a mudou a operação?
Para ela, o transplante foi uma espécie de viagem iniciática. É outra Isabelle, não por ter outro rosto, mas por sentir que é útil. Apesar dos exames dolorosos que faz, dá-lhe certo orgulho saber que fez avançar a ciência e pode ajudar outros. Voltou a ter grande alegria de viver.
Já mudou a foto no B.I.?
Não. Isso assusta-a um pouco. Se mudar a foto, terá definitivamente partido. Gostava do rosto anterior, apesar de também gostar deste. Tem muito poucas fotos antigas, mas não sente necessidade de as ver. Está muito serena em relação a isso.
Ela foi atacada pela cadela. Porque comprou outro cão?
Ficou tristíssima quando soube que tinham abatido a cadela. Sabe que ela não lhe queria fazer mal. Mordeu-a a tentar salvá-la, pois estava inanimada. Depois, quando voltou, sentiu necessidade de uma presença animal. Chamou ao cão Anjo e diz que foi o único ser que a tomou por uma pessoa normal quando estava desfigurada.
in revista Visão, nº 763, 18 de Outubro de 2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário